Administração investe mais de R$ 1 milhão em festa de aniversário do Itapoã.
O dinheiro foi destinado ao pagamento de
artistas contratados sem licitação. Alguns cantores receberam até quatro vezes
mais do que o habitual
Uma das cidades mais pobres do Distrito Federal
teve uma festa e tanto neste ano. Esbanjou. Não houve parcimônia para
comemorar, em março, o oitavo aniversário do Itapõa, região carente de serviços
públicos como delegacia de polícia e hospital. A administração regional gastou
R$ 1.050.000 com cachês de shows de artistas que, em outras cidades, cobraram
até quatro vezes menos. Dessa bolada, R$ 400 mil foram destinados apenas à
apresentação de Amado Batista. O cantor romântico recebeu bem acima do que
costuma cobrar pelo Brasil afora. Em setembro do ano passado, o município de
Itapeva (SP) pagou R$ 135,6 mil para receber o sertanejo. Levantamento do
Correio indica que Amado Batista faturou em média R$ 150 mil, nos últimos dois
anos, cada vez que subiu no palco a convite de alguma prefeitura.
Em gravações que vieram à tona com as
investigações da Operação Monte Carlo, o prefeito de Palmas, Raul Filho (PT)
admitiu ter recebido dinheiro do bicheiro Carlos Cachoeira para o encerramento
da campanha em 2004. A ajuda financeira, declarou depois o petista, era o
pagamento do cachê de Amado Batista. Mesmo nessa situação, o valor foi bem
abaixo da transação feita pela Administração do Itapoã. Compositor de canções
como Princesa, Meu ex-amor e Amor perfeito, o artista manteve o padrão do valor
cobrado. Em maio do ano passado, fez uma apresentação em Cantagalo, na região
serrana do Rio de Janeiro, por R$ 132 mil. As informações constam do diário
oficial desses municípios.
Outros cantores também receberam cachês acima dos valores de mercado no aniversário do Itapoã. A dupla João Lucas e Marcelo, que ficou conhecida pelo hit Eu quero tchu, eu quero tcha, levou R$ 250 mil na apresentação única. Em dezembro do ano passado, eles fizeram um show em Palmas (TO) por R$ 79,4 mil. Pouco antes, se apresentaram em Goiânia por R$ 65 mil. O espetáculo, justamente na época em que a dupla estava no auge do sucesso, custou quatro vezes menos que o valor pago em março pela generosa Administração do Itapoã. Os critérios para remunerar os artistas foram definidos pelo governo em negociação com a iniciativa privada, ou seja, não passaram por uma seleção em que houvesse uma avaliação de proposta mais vantajosa.
As contratações
ocorreram sem licitação, por intermédio da Mundo Tour Agência de Viagens,
sediada no Hotel Nacional. A empresa que negocia pacotes turísticos foi a
responsável pelo cachê de Amado Batista, de João Lucas e Marcelo e de outras
duas atrações: Bruno e Marlow e Joaninha Motocross. Para justificar a dispensa
de licitação, a firma se declarou representante exclusiva desses artistas. No
total, a Mundo Tour recebeu R$ 784 mil só para levar os músicos à festa no
Itapoã.
A agência de
viagens ganhou R$ 60 mil do governo para pagar o cachê da dupla Bruno e Marlow.
Em 2012, os músicos participaram de uma festa organizada pelo próprio governo
com valor bem menor. A Administração Regional de Brazlândia pagou R$ 15 mil,
quatro vezes menos, a fim de ter os cantores numa festa da cidade. No ano
anterior, o mesmo valor foi pago pela Secretaria de Cultura para uma
apresentação de Bruno e Marlow no Paranoá. Nesses casos, as empresas que se
diziam representantes exclusivas da dupla eram outras.
O administrador do
Itapoã, Donizete dos Santos, foi indicado pelo deputado federal Ronaldo Fonseca
(PR-DF) — que compareceu à festa de aniversário da região e teve a presença
anunciada ao microfone pouco antes da entrada de Amado Batista no palco.
Donizete já foi subsecretário do Entorno, chefe de gabinete da Administração do
SIA e diretor de Atendimento ao Usuário do Detran. Trabalhou na campanha do
pastor Ronaldo Fonseca e, em agosto do ano passado, faturou o cargo no governo.
Quatro meses depois da posse do novo administrador, a Mundo Tour promoveu o
Rodeio Show, circuito de Barretos (SP), ao custo de R$ 340 mil. No GDF, a
empresa embolsou R$ 1,2 milhão nos últimos dois anos — 90% saíram da conta da
Administração do Itapoã para os dois eventos.
Segundo informou a
coluna Eixo Capital, na edição de domingo, a Divisão de Repressão a Crimes
contra a Administração Pública (Decap) da Polícia Civil do DF abriu oito
inquéritos apenas este ano para investigar irregularidades na promoção de
festas com indícios de superfaturamento na administração pública.
Sem infraestrutura
O valor gasto com a
festança é quase metade do investimento para construção do centro de saúde da
cidade, que custou R$ 2,3 milhões. A primeira Unidade de Pronto-atendimento
ainda é uma promessa para o segundo semestre. A despesa com as apresentações
seria suficiente para construir pelo menos três quadras poliesportivas no
Itapoã. A cidade carece de benefícios sociais. Trata-se da segunda mais pobre
do Distrito Federal. A renda média mensal, de R$ 762,87, só ganha da Estrutural
e é 15 vezes menor que a do Lago Sul.
A assessoria de
imprensa da Administração do Itapoã informou que Donizete dos Santos está fora
da cidade e, por isso, não poderia comentar sobre os gastos com o aniversário
da cidade. Segundo a assessoria, os valores pagos a Amado Batista e à dupla
João Lucas e Marcelo são mais altos do que os contratos de outras prefeituras
porque os artistas fizeram apresentações mais longas e sem playback. A Mundo
Tour deu justificativa semelhante. Segundo a agência, o cachê de Amado Batista
é superior ao cobrado em outros municípios porque o evento durou três horas e
meia. Segundo a empresa, esse valor também inclui a diária de hotel para 20 integrantes
da banda do músico.
Tortura nunca mais
Amado Batista
protagonizou outra polêmica nesta semana. Em entrevista à apresentadora Marília
Gabriela, o artista comparou as torturas praticadas na ditadura militar a
castigos de criança e disse ter merecido o sofrimento que lhe foi imposto pelos
torturadores. A jornalista reagiu: “Você está louco, Amado?”. A declaração
repercutiu mal nas redes sociais e entre familiares de vítimas da ditadura.
Confira outros shows de Amado Batista contratados por
prefeituras municipais, com valores até cinco vezes mais
baixos do que o pago pela Administração Regional do Itapoã:
» Prefeitura de Itapeva (São Paulo)
Setembro de 2012
Valor: R$ 135,6 mil
» Prefeitura de Taguatinga (Tocantins)
Agosto de 2012
Valor: R$ 150 mil
» Prefeitura de Guarapuava (Paraná)
Julho de 2012
Valor: R$ 174,8 mil
» Prefeitura de Barreiras (Bahia)
Julho de 2012
Valor: R$ 200 mil
» Prefeitura de Lambari D'Oeste (Mato Grosso)
Junho de 2012
Valor: R$ 160 mil
» Prefeitura de Itumbiara (Goiás)
Junho de 2012
Valor: R$ 130 mil
» Prefeitura Municipal de Cantagalo (Rio de Janeiro)
Show realizado em maio de 2012
Valor: R$ 132 mil
» Prefeitura de Feira de Santana (Bahia)
Setembro de 2011
Valor: R$ 160 mil
» Prefeitura de Vila Pavão (Espírito Santo)
Agosto de 2011
Valor: R$ 173,5 mil
» Prefeitura de Itamarandiba (Minas Gerais)
Julho de 2011
Valor: R$ 140 mil
» Prefeitura de São José dos Quatro Marcos
Show realizado em agosto de 2010
Valor: R$ 73 mil
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